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A Poesia Marginal no Recife de 80 com o Movimento de Escritores Independentes de Pernambuco.

Diante das frustrações sofridas perante a burocracia literária na década de 80 no Estado, junto ao desejo de levar a poesia ao povo e deixá-la ao alcance das massas, nascia, em 1980, no Recife, o Movimento de Escritores Independentes de Pernambuco. Encabeçado por escritores que fugiam aos padrões da época, lançavam seus livros em praças públicas, faziam recitais na rua, editavam jornais alternativos e publicavam fanzines para serem vendidos de “mão em mão”, “a maior característica do movimento era, de fato, a identificação com as bases”, como dizia Eduardo Martins, um dos líderes do Movimento.


Em 1980 o movimento começava a engatinhar, e já em 1981 Olinda foi palco do primeiro Encontro Estadual de Escritores Independentes, que aconteceu, mais precisamente, na Casa das Crianças de Olinda.

Comprometido com a liberdade de expressão, o movimento não selecionava seus integrantes nem seus trabalhos literários, o único fator que reunia escritores de diversas estéticas literárias era a sede de levar poesia para os mais remotos lugares.




José Eduardo Martins, um dos fundadores do Movimento, em 1979. [if !supportLineBreakNewLine] [endif]

O texto abaixo é da escritora Fátima Ferreira e foi extraído do 13º jornal “Balaio de Gato” Cultura em Movimento de Jorge Lopes (2014).



“O Princípio de Tudo...

Estudei na Cada de Tobias Barreto, a antiga Faculdade de Direito do Recife, nos idos de 80 e bem sei que esta cidade não é receptiva aos que vivem à margem. Apesar de urbana, Recife ainda é uma selva. Basta passar perto de alguma cobra criada e ela vai querer dar o bote e devorar você. Seus becos são mais áridos que o Saara e você poderá morrer de fome e sede em qualquer um deles. A maré não está pra peixe pequeno e sim para tubarões ouriçados no mar de Netuno, enfurecidos, engolindo o fogo do poder e principalmente almas.

Foi neste cenário nada amistoso, em 1981, que conheci Francisco Espinhara, na antiga Livro 7. [...] Vinha anunciando planos de encher a cidade de poesia, construir barricadas poéticas, juntamente com Eduardo Martins. [...] Sonhavam enfileirar poetas na rua declamando versos, livres das editoras, independentes de compromissos com órgãos oficiais e da máquina manipuladora do sistema. [...] Juntei-me a eles de imediato e ainda convidei Sérgio Lima Silva, Geni Vieira e Samuca Santos, que comigo faziam parte do grupo Bandavuô. Nós acabávamos de editar um dos primeiros jornais alternativos daqui, o “Agora Nós”, em 1980. Publicávamos também livrinhos para vender de mão em mão. Fomos então a uma reunião da Reler, sebo de Pedro Américo. Foi ali que ouvi falar pela primeira vez do Encontro Nacional de Escritores Independentes que iria acontecer no Ceará. Chico Espinhara e Eduardo Martins, acabavam de chegar do ENEL, Encontro Nacional de Estudantes de Letras, trazendo na bagagem a boa nova do Encontro Nacional de Escritores Independentes e querendo criar um movimento a nível estadual. Passamos então a anunciar aos quatro ventos o 1º Encontro Estadual de Escritores Independentes.

Em breve tempo, adeptos de todas as tribos aproximaram-se vindos de outros grupos. Uma crítica que se fez ao movimento foi a deque não selecionávamos os seus integrantes nem os seus trabalhos literários. De fato, também não estávamos vinculados a nenhum partido político, nem de esquerda, nem de direita, muito embora houvesse pessoas de todas as facções no grupo. Isto ocorreu, primeiro, porque estávamos comprometidos coma liberdade de expressão que nos foi cerceada, segundo porque queríamos mesmo aproximar a poesia das poesias, das ruas, praças, bares e aí não cabiam as figuras da censura e da crítica literária propriamente dita. Assim conheci: Hector Pellizzi, Jorge Lopes, Marcílio Medeiros, Luiz Carlos Monteiro, Romana, Medina, Caesar Sobreira, Cida Pedrosa, Azimar Rocha, Don Antônio, Mônica Franco, Ângela Belfort, Amara Lúcia, Manuzé, Pedro do Amaral Costa, Wilson Freire, Jailson Marroquim, Celeste, Raimundo Moraes, Wilson Vieira, Wilton Lima, Manoel Constantino, França, Inaldo Cavalcanti, Josualdo de Meneses, Marcelo Mário Melo, Francisco de Paula Machado, e tantos outros que vieram depois: Dione Barreto, Claudionor Loyola, Lenilda Andrade, Daniella Romani, Erickson Luna, Valmir Jordão. Juntos, rompemos o cordão de isolamento naqueles anos difíceis.

Não ficou ninguém no meio literário que não ouvisse falar no 1º Encontro Estadual de Escritores Independentes que realizamos na Casa da Criança de Olinda com a ajuda de Pedro Américo e também, do 2º Encontro Estadual e do 1º Encontro Nacional de Escritores Independentes com a presença de vários escritores de outros estados. Levamos, inclusive, os repentistas e deles captamos a tradição da poesia oral que também seria nossa aliada dali por diante.

Nesta época, conhecemos Alberto da Cunha Melo, para mim o maior poeta contemporâneo brasileiro, e sua mulher, artista plástica Cláudia Cordeiro, que nos acompanharam apoiando e ajudando nos nossos eventos e encontros estaduais e nos nacional. Alberto havia fundado as edições Pirata em parceria com Jaci Bezerra em 1979. Para nossa sorte, ele logo se aliou à nossa causa e foi um grande mestre. Além de divulgar nossos trabalhos na sua coluna “Commércio Cultural”, do Jornal do Commércio, ainda forneceu-nos um espaço, onde com Hector Pellizzi, traduzíamos poetas latino-americanos.

Outra mestra que esteve conosco em todos os momentos e fez da sala de visitas da sua casa a nossa sala foi a poetisa Celina de Holanda, da geração 65, grande amiga até o fim da vida.

Vários escritores incentivaram o Movimento dos Escritores Independentes – MEI, entre eles: Vernaíde Wanderley, Ângelo Monteiro, Pedro Américo, Arnaldo Tobias Juhareiz Correia, Lucila Nogueira, Domingos Alexandre, Almir castro Barros, Marco polo, Tereza Tenório, Geraldino Brasil, Raimundo Carrero, Jomard Muniz de Brito e muitos outros.

Apesar da maioria dos integrantes possuírem formação acadêmica, como exemplo citamos a influência que augusto dos Anjos e Cruz e Sousa exerceu sobre a poesia de Francisco Espinhara, não tivemos uma linha estética formal única. Adotamos o poema-relâmpago, o poema-minuto, o mini poema, o poema pornô, para não entediar o público nos nossos recitais. Mas também escrevíamos poemas mais longos e mais elaborados.

Queríamos pão, circo e liberdade...

Não pensem que o grupo se fazia de desocupados e malucos, como alguns querem crer. Não! A maioria era composta de estudantes universitários pobres, de vários cursos: direito, turismo, psicologia, letras, jornalismo, medicina, etc. Também havia professores, profissionais liberais e funcionários públicos que se juntavam a nós. Além de pão queríamos circo e liberdade, que nos foram sabotados pela ditadura militar. E então tomamos as ruas com nossa poesia, produzindo nossos livros sem interferência de editoras, vendendo-os de mão em mão, nos bares universidades e ruas, sem atravessadores. Este era o nosso passaporte para a liberdade de expressão. Mas não ficamos sós nisto. Criamos uns sem-número de jornais alternativos, exposições, debates, eventos teatrais, poesia circulante, em ônibus, chuva poética, tudo para divulgar os escritores independentes daquele período. Recife teve uma efervescência cultural jamais repetida.

Com Hector Pellizzi criamos os jornais “Americanto” e “O Cântaro”. Enquanto Francisco Espinhara e Eduardo Martins criaram o Lítero-Pessimista; Mônica Franco, “Poemar”. Havia também o “Pro-texto”, de Arnaldo Tobias; “Cochicho”, de Amara Lúcia; Vagalume de Marcílio Medeiros, que depois teve a parceria de Ângelo Belfort e Flávio Chaves; “Mandacaru” de Pedro do Amaral costa; “ContÁGIL”, de Dione Barreto e Manuzé, entre outros fanzines que foram surgindo pelas mãos de outros escritores que faziam parte do grupo como foi o caso do “Balaio de Gato” de Jorge Lopes e o “Poesia & Cia”, de Glauco Guimarães e Bráulio Brilhante, como vida mais longa.

Muitos dos nossos trabalhos tiveram desenhos, ilustrações e caricaturas maravilhosas produzidas pelo múltiplo artista, Jorge Lopes. Ele também esteve conosco desde o início do MEI e até hoje escreve poesias e produz vários livretos e fanzines, sendo o mais famoso dele este “Balaio de Gato”.

Fomos o único estado da federação a realizar dois encontros de escritores independentes estaduais e um encontro nacional no qual criamos a “Carta de Olinda”, que era nossa carta de princípios.

Realizamos recitais nas ruas, becos e praças, do Recife e também em Olinda na Praça do Carmo, no Coreto, bar Ecológico e no Alto da Sé. A poesia saia dos livros carrancudos e tomava as praças do povo.

Naquele período, Caesar Sobreira, que era estudante de psicologia, na Universidade Católica fez uma greve de fome em desacordo com os aumentos abusivos das mensalidades da instituição e nós estivemos lá nos solidarizando com ele. Foi o maior rebuliço quando começamos nosso recital no pátio interno da universidade, onde Caesar estava acorrentado e sem comer. Pouco tempo depois fomos convidados a sair.

Alguns jornalistas colaboraram conosco de forma incondicional, como foi o caso de Paulo Azevedo Chaves, na sua Coluna Poliedro, do diário de Pernambuco e Waldimir Maia Leite, na sua coluna panorama, do Jornal do Commércio, fosse publicando os novos poetas independentes, fosse divulgando os eventos do grupo, eles realmente deram grande contribuição a tudo que fizemos naquele período, contrariando inclusive a elite cultural que torcia o nariz cada vez que um trabalho nosso era divulgado no jornal.


Foto extraída da edição de 16 de Janeiro de 1989 do Jornal do Commércio mostra Eduardo Martins,Carlos Laerte, Lenice Gomes e Fátima Ferreira, ChicoEspinhara, Caesar Sobreira, Hector Pellizzi e Cida Pedrosa.

O começo do fim...

Aquela trupe que saiu às ruas com a boca “inflamada” de versos, começou a incomodar. Queriam nos fazer calar. Era inevitável que causássemos incômodos variados aos que manipulavam os pequenos espaços culturais existentes, já que nós os desarticulávamos quando levávamos a poesia às ruas “sem cartão de ponto”, de graça. Não estavam acostumados com a poesia livre nas calçadas. De dentro dos seus gabinetes, organizavam mutirões com o dinheiro público, lançamentos de livro e motins. A nós bastava apenas um hidrante, a copa de uma árvore ou uma pedra filosofal, para que ali realizássemos os nossos recitais. Eles queriam mais, queriam tomar os nossos sonhos para destruí-los a golpes de covardia. Tivemos alguns desafetos que, se não conseguiram mesmo nos destruir, construíram insondáveis desavenças e cooptaram adeptos para o seu bando, com oferecimento de cargos e poder, criando assim arestas incomunicáveis que geraram e desagregação do grupo por ocasião da eleição da União Brasileira de Escritores – UBE, secção Pernambuco, para o biênio 1987/1988.

Devo dizer que alguns mais ortodoxos e conservadores pensavam que éramos malucos. Entretanto nós pensávamos que malucos eram eles. Os incluídos e os excluídos de uma época ou local são sempre uma questão do ângulo de quem vê. Como disse no meu mini poema:

Os seres de outros planetas/ estão crentes/ que não existimos.

Mas, nesta selva a que me refiro no início deste texto, nasceram libertários que lutaram em guerras frias e insanas, nas quais até mesmo Ulysses, da Odisseia, teria medo. Estes heróis anônimos e do “poetariado” como bem declarou Alberto da Cunha Melo, foram pequenos Golias destemidos, cujas armas, pasmem, eram unicamente a poesia.

Muitos morreram, é certo, mas os versos e a verdadeira história continuam vivos no campo devastado, entre vivos e feridos, à mercê do tempo, nosso melhor juiz.

Enquanto aqueles que perceberem a tempo as armadilhas da cruel província, construíram navios e aeronaves, cercaram-se de montanhas inatingíveis e apoderaram-se lentamente dos próprios sonhos, onde só e unicamente a poesia reina em liberdade.

Outras vozes que contem outra.”



(Fátima Ferreira)



Cópias das capas dos principais jornais independentes e material de divulgação do Lançamento coletivo na Rua da Roda/Praça do Sebo.


Aqui vai alguns links para mais informações:

SANCHES, Maria Elizabete. À Margem do Cânone: História e Produção do Movimento dos Escritores Independentes de Pernambuco. Revista Eletrônica Igarapé- Nº 03, Maio de 2014. http://www.periodicos.unir.br/index.php/igarape/article/viewFile/1006/1077




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