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Cin5o Poemas para conhecer a poesia de Elisa Lucinda

Meu primeiro contato com a poesia de Elisa aconteceu pelas redes sociais de forma despretensiosa.

Então foi surgindo uma curiosidade de ler tudo quanto mais estivesse assinado por ela, e tudo que a sua poesia tinha me dizer, porque ler Elisa é muito surpreendente.

Tem sido surpreendente a cada novo dia como na primeira e rápida leitura que fiz.

Como meu desejo não era o de escrever uma matéria longa, eu tentei unir aqui poemas que me provocam das mais diversas formas.

E falar de Elisa poeta é muito caro pra mim, desejo um dia fazer isso com mais espaço e tempo, muito mais zelo e conservando o respeito por essa nova literatura que trouxe a voz das mulheres como estandarte para as nossas leituras contemporâneas, e por enxergar de alguma forma uma representatividade literária, histórica e social...

Todo mundo merece ler Elisa.

Au Gratin

Fumo um cigarro fino Como um palito O calor do Rio é ridículo Calor de chuva enrustida Calor do céu oprimido De inferno mar resolvido Que não sabe se queima esse cara Ou o assa ao ponto Um calor filho da puta Um calor de estufa E eu sem nem ser judia Sofro aos pouquinhos Sofro esse zé pagodinho Ardo nesse pecado que não cometi Nesse forno onde me meti Por uma apimentada dica De um nordestino Que me mostrou uma placa citada, tinhosa: “CIDADE MARAVILHOSA” Eu vim.

Safena

Sabe o que é um coração amar ao máximo de seu sangue? Bater até o auge de seu baticum? Não, você não sabe de jeito nenhum. Agora chega. Reforma no meu peito! Pedreiros, pintores, raspadores de mágoas aproximem-se! Rolos, rolas, tinta, tijolo comecem a obra! Por favor, mestre de Horas Tempo, meu fiel carpinteiro comece você primeiro passando verniz nos móveis e vamos tudo de novo do novo começo. Iansã, Oxum, Afrodite, Vênus e Nossa Senhora apertem os cintos Adeus ao sinto muito do meu jeito Pitos ventres pernas aticem as velas que lá vou de novo na solteirice exposta ao mar da mulatice à honra das novas uniões Vassouras, rodos, águas, flanelas e cercas Protejam as beiras lustrem as superfícies aspirem os tapetes Vai começar o banquete de amar de novo Gatos, heróis, artistas, príncipes e foliões Façam todos suas inscrições. Sim. Vestirei vermelho carmim escarlate O homem que hoje me amar Encontrará outro lá dentro. Pois que o mate.

Cor-respondência Remeta-me os dedos em vez de cartas de amor que nunca escreves que nunca recebo. Passeiam em mim estas tardes que parecem repetir o amor bem feito que você tinha mania de fazer comigo. Não sei amigo se era seu jeito ou de propósito mas era bom sempre bom e assanhava as tardes Refaça o verso que mantinha sempre tesa a minha rima firme confirme o ardor dessas jorradas de versos que nos bolinaram os dois a dois Pense em mim e me visite no correio de pombos onde a gente se confunde Repito: Se meta na minha vida outra vez meta Remeta.

Amanhecimento De tanta noite que dormi contigo no sono acordado dos amores de tudo que desembocamos em amanhecimento a aurora acabou por virar processo. Mesmo agora quando nossos poentes se acumulam quando nossos destinos se torturam no acaso ocaso das escolhas as ternas folhas roçam a dura parede. nossa sede se esconde atrás do tronco da árvore e geme muda de modo a só nós ouvirmos. Vai assim seguindo o desfile das tentativas de nãos o pio de todas as asneiras todas as besteiras se acumulam em vão ao pé da montanha para um dia partirem em revoada. Ainda que nos anoiteça tem manhã nessa invernada Violões, canções, invenções de alvorada... Ninguém repara, nossa noite está acostumada.

O Poema do Semelhante O Deus da parecença que nos costura em igualdade que nos papel-carboniza em sentimento que nos pluraliza que nos banaliza por baixo e por dentro, foi este Deus que deu destino aos meus versos, Foi Ele quem arrancou deles a roupa de indivíduo e deu-lhes outra de indivíduo ainda maior, embora mais justa. Me assusta e acalma ser portadora de várias almas de um só som comum eco ser reverberante espelho, semelhante ser a boca ser a dona da palavra sem dono de tanto dono que tem. Esse Deus sabe que alguém é apenas o singular da palavra multidão Eh mundão todo mundo beija todo mundo almeja todo mundo deseja todo mundo chora alguns por dentro alguns por fora alguém sempre chega alguém sempre demora. O Deus que cuida do não-desperdício dos poetas deu-me essa festa de similitude bateu-me no peito do meu amigo encostou-me a ele em atitude de verso beijo e umbigos, extirpou de mim o exclusivo: a solidão da bravura a solidão do medo a solidão da usura a solidão da coragem a solidão da bobagem a solidão da virtude a solidão da viagem a solidão do erro a solidão do sexo a solidão do zelo a solidão do nexo. O Deus soprador de carmas deu de eu ser parecida Aparecida santa puta criança deu de me fazer diferente pra que eu provasse da alegria de ser igual a toda gente Esse Deus deu coletivo ao meu particular sem eu nem reclamar Foi Ele, o Deus da par-essência O Deus da essência par. Não fosse a inteligência da semelhança seria só o meu amor seria só a minha dor bobinha e sem bonança seria sozinha minha esperança

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